terça-feira, 16 de outubro de 2007

Arthur e a mesa

Foi ontem. num “Frango Assado” a margem da rodovia dos Bandeirantes. Parada para sanduíche e salgadinho. Consumido o salgadinho de espera do sanduíche uma sensação de perda de tempo causada exatamente...pela espera. Todos, ou ao menos parecia, estavam com a mesma premência de seguir viagem. Não sei se alguém mais ouviu quando o garoto com seu salgadinho pediu a mãe para sentar-se a uma mesa. Eu ouvi. E de pé junto ao balcão vi quando se dirigiram a ela. Num carrossel com velocidade de hd em busca que começava com o primeiro hambúrguer comido na lanchonete da então única Loja Americana, no centrão velho em SP (sentado em banquinho, no balcão) com todo o charme da novidade até o presente naquele momento desfilaram sanduíches, salgadinhos e lugares ao longo de mais de 40 anos. Da pré-fast food (por preparo) a super fast food (por consumo). Tão pouco tenho usado a minha mesa que ela acabou por converter-se em apoio de agenda, chaves e ocasionalmente de compras para serem desembaladas no dia seguinte. O garoto e sua mãe, a minha esquerda, comiam com a placidez dos que tem na refeição, qualquer que ela seja, um momento dignificante da condição humana. A pequena mesa alta e seus banquinhos convertidos em instrumentos de rito sagrado. Paz em meio ao barulho e a ansiedade. Meu sanduíche findo, eles ainda estavam lá. Aproximei-me, perguntei o nome do garoto: Arthur! Com tudo que me ia por dentro frente ao ensinamento contido numa frase dita por uma criança, mal consegui agradecê-lo. A percepção de por quantas formas podemos nos distanciar da condição humana ainda doía quando entrei no carro. Trabalhei todo o dia com o fato indo e voltando a memória. Cheguei tarde em casa. Tirei da geladeira uma torta salgada ganha no domingo de vizinhos muito queridos. Aqueci e comi – sentado – com garfo e faca, relegando o guardanapo de papel a sua função básica. Fui depois até as estantes e busca feita, retirei do envelope plástico em que o havia colocado o texto de “La dignità dell’uomo” (De hominis dignitate) de Giovanni Pico della Mirandola. Talvez seja o tempo de continuar o trabalho de tradução e notas a que me propus dez anos atrás e interrompi há quatro. Sabe Arthur, que o teu antecessor remoto e famoso não foi só o grande e trágico rei guerreiro de algumas versões da sua história. A sua criação, a Tavola Redonda, foi a base de todo o futuro código de honra da cavalaria medieval. Te agradeço e abençôo o exemplo dado. Que a tua vida seja longa e feliz e te permita tocar as vidas de muitos outros com a luminosidade com que tocaste a minha. Assim seja!