terça-feira, 27 de novembro de 2007

Hay que...

A reflexão veio de um comentário sobre a dieta prescrita por um médico nissei para um italiano que por uma educação bem cuidada é incapaz de criar uma “cinque giornate” em defesa da cozinha mediterrânea. Da companheira bem intencionada sempre disposta a aceitar o exótico como panacéia: “Ele (o médico) é um oriental!”

Já passamos pela fase do “Marx explica!”, do “Freud explica!” e agora parece que estamos na do “O Oriente explica!”. Não sou careta em alimentação. Passei pela naturalista, a vegetariana, a macrobiótica (do Osawa e do Kikuchi), e mais uma série de experiências abandonadas tão logo se ficava verde, cinza ou de outra qualquer cor improvável. Até que cheguei, como outros da minha geração, a “ouvir o próprio corpo” e ele apontava para a minha história familiar. A sapiência contida nesse dito é o reconhecimento da relação indissociável que existe entre alimentação e nutrição. Pensem apenas no seguinte: se uma etnia que nunca tenha usado o sal (NaCl) diariamente na sua alimentação pode levar até 800 anos para a sua assimilação, passando por inúmeros problemas de saúde ao longo desse tempo, imaginem um caucasiano tentando equilibrar a sua saúde com uma dieta japonesa!

Outro aspecto do “orientalismo” dominante é a tendência a valorizar apenas os aspectos exóticos de alguns países. Nunca vi ninguém querendo encontrar o seu guru no Laos ou no Vietnan ou na Tailândia. O irônico é o completo desconhecimento da vida espiritual popular equivalente em seus próprios países. Daí não haver termo de comparação e a coisa conduzir ou a modismo ou ao fanatismo. Sejamos honestos: a arte indiana produz coisas de grande valor e o seu artesanato fino, para consumo interno tem qualidade, porque expressa valores culturais definidos. Agora, que está cheio de coisas de “carregação” impingida a turistas indefesos, isso está. Infelizmente, não há o que possa substituir o bom senso na busca da universalidade. Nem na alimentação/nutrição corretas.

Nota sobre a frase original:
O militante recebe um tiro e cai. Dois compañeros correm e um deles pergunta ao caído: -“Você está morrendo. Quais são as suas ultimas palavras para a História? E tem por resposta: -“Que merda!”, e morre! Um dos remanescentes diz: -“E agora?” e ouve do outro: -“Sei lá, depois a gente inventa alguma coisa.” (Primeira Feira Paulista de Opinião,1968, Teatro Ruth Escobar – na fila de trás, um Sábato irritado e uma Ilka, que já deveria ser a mesma grande dama aos quatro meses, de idade tentando acalmá-lo)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Sullus

Quem caminha num mercado andino vai acabar vendo, se estiver atento, cestos como esse. São os respeitadíssimos “Sullus” ou fetos de llamas secos. Antes que algum espanto judaico-cristão ocidental possa provocar mal entendidos é bom explicar: ninguém provoca abortos nesses simpáticos camélidos. A ocorrência do aborto espontâneo é extremamente comum entre as llamas. Os camponeses, observando uma prenhez interrompida, procuram pelos campos e recolhem o feto. Na conservação dele são auxiliados pelo próprio clima seco que impede a decomposição. Uma vez completamente desidratados são levados as feiras para venda.

O Sullu é um dos elementos fundamentais para uma oferenda (cha’lla) completa à Pachamama. São também usados no ritual da cha’lla da casa: quando uma casa nova fica pronta, antes da colocação do telhado, ela deve receber um sullu em cada um dos ângulos extremos, colocado em uma escavação junto do alicerce. Só depois a casa é enfeitada com cestos de flores e banhada simbolicamente com bebidas alcoólicas. O sincretismo provocado pela dominação religiosa católica e branca trouxe uma expressão muitas vezes usada em lugar de cha’lla: “glória missa”.

Quanto a Pachamama, é bom lembrar que a religião antiga andina é feita de conceitos puramente metafísicos. A sua transmissão, oral, fez com que a complexidade desses mesmos conceitos encontrasse, ao longo dos séculos, uma fluidez de formulação que tornou o pensamento religioso abstrato uma prática generalizada. A ocorrência de símbolos tem uma função pedagógica voltada para o inicio do aprendizado. Exemplos? A Pachamama é a “terra” , a Terra e, ao mesmo tempo uma entidade imaterial (mais “Grande Mãe” que deusa) que permeia tudo o que diz respeito a vida material. Solo, águas, colheitas, casas (lá feitas de adobe), pedras, animais, aves e humanos são o seu corpo e manifestação (al.: da sein). É o princípio feminino por excelência. Sem ela não haveria a Vida. É por isso que quando defrontamos alguma forma de vida (humana ou animal) morta dizemos, como que devolve o que cessou de viver a ela: “que se reciba!” Uma boa explicação que tive sobre isso veio de um amigo que não vejo a muito tempo, Rufino Paxsi, camponês e médico aymara na comunidade de Waraya. Perguntei-lhe se o sol era realmente “Inti”, um deus. A resposta, com a paciência que o caracterizava em relação aos Can’cas (gringos) bem intencionados começou pela explicitação de que o vocábulo “Inti” significava mais a luz que a estrela, daí a sua aplicação ao astro-rei simbolizando o Princípio Único . Quanto a ser o Sol um “deus supremo”, longe disso. “Os aymaras” disse, “não personificam as suas divindades. Quando você entende que sem a luz e o calor não haveria vida na Terra e você sabe que essa energia vem do alto, de algum lugar que não podemos ver, mas sabemos que existe, isso é o princípio de todas as coisas. Tão grande que a inteligência humana não o pode pensar. O Sol, grande como é, nós podemos entender. E é um pequeno símbolo para isso que não alcançamos definir.” Falou-me também da simbologia da fecundação da Terra pelo Sol para gerar o que é vivo. Ficou-me uma imagem-síntese dessa manhã que tinha começado com a recolha dos chuños um pouco antes do alvorecer: a Vida é o casamento da Terra com a Luz.

sábado, 24 de novembro de 2007

Réquiem


Passavamos todos as tardes pela rua Baronesa de Itú em SP. Num desses dias vimos uma das últimas belas casas do Higienópolis original com sinais de início de demolição, incluindo a trágica placa "Vende-se material de demolição". Paramos o carro e pedimos prá ver e fotografar. Estas fotos apareceram na "arrumação" que venho fazendo em outra casa, outra cidade. Não sei onde a Ruth conseguiu a flor, já murcha. Ela colocou-a sobre o ladrilho hidráulico que estava em melhores condições e disse-me para fotografa-la. Era 1984. Então existiam a casa, a ProColor, que fez a revelação e a Ruth. Hoje, nenhuma das três.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Meu anjo-da-guarda

Juro que vi! Até fotografei! Lamento a qualidade da imagem, mas meu scanner não é prá slides. Volto a afirmar: deve estar lá. No mesmo batistério medieval da cidade de Ascoli Piceno, lado de fora, na lateral (só não lembro se direita ou esquerda). Bom, na verdade a planta é octogonal e por lateral passam 3 faces de cada lado. Mas ele com certeza continuará lá, como o vi numa manhã de inverno, há muito tempo. Talvez suavizado por um café da manhã, com grappa e um(s) bom copo de vinho umbro pelo caminho, pensei que o meu batismo, feito a revelia, teria sido ao menos poético se tivesse ocorrido num lugar daquele tipo. Aí vi o Anjo! Talhado na pedra por mãos antigas deu-me a impressão de estar ali a esperar-me há 800 anos. Tudo nele fazia supor ser o meu anjo-da-guarda: o seu humor, com "leves" toques de impaciência, coincidiam com o meu. Os braços cruzados pela longa espera. Tão longa, tendo em conta a certeza que tenho do Inferno, mas não do Céu, que estava ficando careca. De tanto esperar. O unico anjo com calva frontal que vi até hoje. Olhando através da meia-tele perguntei mentalmente se ele era mesmo o meu anjo-da-guarda. Não posso jurar, mas pelo sorriso irônico que creio ter visto, fiquei com a certeza que sim.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Montagem?


Não Lili. Nem a anterior nem esta são montagens. Apenas ter a camera (ótica, não digital) pronta para o que desse e viesse. Nós, velhos fotógrafos, carregavamos as nossas bolsas fotográficas (as minhas eram, sempre que possível, de lona) até quase desmancharem pelo uso constante e na maioria das vezes, pelo menos uma camera pendurada no pescoço. O resto era determinação e ôlho. Percepção de contexto. Depois, camara escura para revelar e copiar. Aí entrava o complemento da linguagem pessoal: contraste e textura (escolha do papel), escala de cinzas, recorte. E se você olhar os tons em p&b que uso, ficará clara a eterna citação de Pontecorvo. A "Batalha de Argel" foi biblia e modelo pra muitos da minha geração. Neste caso, dos palhaços, a sorte foi estar do lado certo da janela e a teleobjetiva ser boa.

domingo, 11 de novembro de 2007

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

domingo, 4 de novembro de 2007

PHA em crise (P.S.:)

Não gostar ( ou mesmo odiar) paulistas é fashion para alguns desde Getúlio Vargas em 1930. Mas não gostar de gatos...

PHA em crise

Paulo Henrique Amorim, cansado talvez de ser ofuscado (com justiça) pela ovelha Dolly como primeiro clone bem sucedido parece estar em crise. Sua tentativa de clonar o falecido Paulo Francis (Deus o tenha entre os seus) não mereceu a devida atenção científica por motivos óbvios. Assim, Dolly levou a palma. Apesar da falta de erudição, típica do original, e de um fonoaudiologo competente, o clone, mesmo rústico, até que se deu bem. Era tolerável e as vezes interessante. Seria por verem esgotadas as suas possibilidades futuras que ele decidiu começar a "bater" em São Paulo e nos paulistas? Confira em http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/464001-464500/464019/464019_1.html. Outra hipótese é uma eclosão tardia da sindrome "global" que tem as mesmas manifestações.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

"Os mortos não podem louvar a Deus"

Outro dia, com calma escreverei sobre Aldo Sonnino e seus "Racconti chassidici dei nostri tempi"(Editrice La Giuntina, Firenze, 1978, 1995). Por hoje, porque alusivo, fica este texto do livro.
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Os olhos do jovem Shelomò eram tão penetrantes que parecia quisessem perfurar o Céu. Na pequena vila murmurava-se que nenhum homem sabia, como ele, amar a Deus com todo o coração, toda a alma e todas as forças.

Um versículo dos salmos, lá onde está escrito que “os mortos não podem louvar a Deus”, entristecia profundamente Shelomò. Buscou então o seu Rabi para conhecer o sentido oculto daquelas palavras.

Disse Shelomò ao Rabi: “Meu Mestre, o Santo dos Santos fixou o dia do meu nascimento. O Santo dos Santos decretará o dia da minha morte. Nesta terra, aprendi a amar a Deus, seguir os seus mandamentos e dizer os seus louvores. Eu não desejo que exista um dia, um dia somente, no outro mundo no qual não me será concedido louvar a Deus.”

Respondeu o Rabí: “existem dois modos de louvar a Deus. Em vida, sobre esta terra, os teus louvores ao Senhor nascem das ações que você pratica cotidianamente, ajudando o próximo e trazendo serenidade ao coração dos homens ( que o Santo dos Santos criou a sua imagem e semelhança). Neste sentido, os mortos não podem mais louvar a Deus.

Quando a tua alma abandonar esta terra, ela levará consigo todo o amor com o qual, em vida, amaste o Santo dos Santos. Então os Anjos te acolherão e poderás unir-te aos seus louvores. Somente nesse sentido os mortos podem louvar a Deus.”