sábado, 6 de outubro de 2007

O escafandrista e a sexualidade



Nada é mais natural do que respirar. A Antiguidade, em sua lucidez pré-cristã, atribuía ao Ar (pneuma) a condição de elemento vivificador que, conforme alguns representava o próprio espírito divino presente na criação. A igreja nascente, ao criar a sua teologia sob medida, confunde “pneuma” com o espírito santo e o identifica com aquela pomba tão bem descrita por Fernando Pessoa, roubando-o definitivamente aos seus acólitos. Se não me engano, isso aconteceu no fatídico Concilio de Nicéia. Na falta de organização popular, não apareceu nenhum MSE – Movimento dos Sem Espírito. Que pena!

Em tempos de ecologia militante somos constantemente lembrados da importância da qualidade do ar para a Vida. Pois bem, supondo que do desmatamento a poluição tudo passa pelo ar que respiramos e sem o qual não viveríamos, podemos concordar que nada é mais natural do que respirar?

Se uma premissa comum é metade do dialogo, já a temos. Sou tentado pela paráfrase fácil: respirar é preciso, viver não é preciso. Tristemente fácil já que muitos são os que respiram e não vivem. Mas o ato natural de respirar tem a sua igualmente natural complexidade. Alem do básico e instintivo binômio inspirar-expirar, temos a respiração iogue, a dos nadadores, dos mergulhadores, dos músicos, dos que inflam balões em festas infantis, dos atiradores de zarabatana, dos cantores, dos ciclistas e dos sopradores de vidro, dos aniversariantes diante do bolo, dos arqueiros e atiradores com armas de fogo, dos atletas, dos fumantes e garçons, dos pássaros, peixes e plantas, etc. ad nauseam, mesmo sob uma severa generalização.

A cada situação corresponde um aprendizado e a necessidade de aperfeiçoamento. Sempre sob a égide da prática correta para um bom resultado. A leviandade é má conselheira e pode ser letal nessa questão tão profundamente natural. Cabe a cada ser humano perceber a sua própria necessidade respiratória e adequar-se a ela da maneira mais eficaz para os resultados pretendidos tendo em vista o prazer que pretendam auferir da sua atividade. Mesmo aquilo que chamei antes de “básico e instintivo binômio inspirar-expirar” pode significar prazer puro quando estamos nas vizinhanças de um campo de flores ou de um fogo operado com maestria. Diz a Tradição: toda verdadeira alegria vem do Paraíso!

Limitar esta função biológica sob qualquer justificativa dogmática é negar o direito a vida. Delimitar os seus fins e objetivos é arbitrariedade fascista. Arrogar-se o direito de aprovação da sua prática por terceiros é criminoso (lesa humanidade). Negar conhecimento ou ação que permita a qualquer ser vivo atingir a plenitude da sua expectativa respiratória é inominável. Colocar alguém num escafandro e lançá-lo a água é assassinato. Como se pode perceber, a minha visão do ato de respirar não pressupõe ensaio-e-erro além do natural, nem exclui o aprendizado consciente.

O motivo desta postagem foi uma acusação de irresponsabilidade (obviamente apoiada na velha desculpa de que não sei como é por não ter filhos) quando afirmei numa conversa com amigos que cabia aos pais de hoje prepararem os seus filhos para a sexualidade tornando-a algo tão natural quanto respirar. Sei que sou um dinossauro. Meu RG e o espelho ao barbear mantem-me rigorosamente informado. Mas nunca assumirei a patranha da cidadania com que tentam assassinar a Liberdade. Muitas foram as vezes em que renunciei a ela, mas sempre através do seu legítimo exercício – o livre-arbítrio. E sempre valeu a pena.