quarta-feira, 28 de maio de 2008

Dos Gauleses e dos resfriados

Resfriado também é cultura. Viral, sem duvida. A febre pode levar o doente a fazer coisas inconfessáveis. Como reler pela enésima vez Asterix e tirar da estante um empoeirado “De Bello Gallico” de Julio César. O aspecto preocupante desse momento da patologia caracteriza-se por ter como mais interessante o segundo naquele momento. Passou, mas deixou seqüelas. Já com a cabeça mais clara, pretensão e água benta ..., achei que deveria trazer pra cá um pouco sobre dois nomes citados com certa freqüência na obra de S. Uderzo e S. Goscinny (penitenziagite!): Vercingetórix e Alésia.

A história, porque trata-se de história mesmo, não foi nem light nem divertida. Passou-se, conforme o vencedor, assim: expulsos os germanos para além do Reno, a Gália aparentemente calma e chegado o inverno, parte César para a Itália. Tropas aquarteladas – não era hábito combater durante o inverno – sentem-se alguns povos seguros para tentar nova rebelião. Levantam-se os Carnutes e seu exemplo estimula a ambição idealista ou o idealismo ambicioso de um jovem arverno, de nobre família, chamado Vercingetórix. Tinha servido no exército sob Roma enquanto seu pai gozava do apoio dela como líder dos arvernos. Com discurso inflamado atrai a si, rapidamente, aliados para uma guerra de libertação. Não gostam disso o seu tio paterno Gobanicião e os maiorais de Gergóvia, a sua cidade. Teve sorte, só o expulsaram. Seu pai, Celtilo, que antes dele tentou ser rei dos arvernos tinha sido morto pelo seu próprio povo enquanto César, apesar de te-lo conduzido a liderança, nada fez por julgar ser problema interno deles. Unindo o seu carisma ao descontentamento com a submissão a Roma, Vercingetórix recolhe em seu deslocamento todo tipo de aliados. Seus métodos de recrutamento são bastante efetivos: aos que percebe em duvida quanto a validade de sua causa aplica-lhes a tortura. Diante da sua eventual ineficácia, não tinha problemas em queima-los e não poucos hesitantes são castigados e mandados de volta a sua gente com um olho vazado ou sem as orelhas para servirem de exemplo. Por segurança, dele claro, mesmo os seus aliados deviam enviar-lhe reféns além de tropas. A essa altura já foi, prudentemente, aclamado rei pelos seus. E reúne a maior aliança gaulesa já enfrentada por Roma.

O que ele não contava era com o rápido retorno de César, diante das notícias, vindo ainda a caminho novas legiões recrutadas com o benefício do serviço militar obrigatório recentemente instituído pelo Senado Romano. Com César no comando, não se negam as legiões a combater no inverno por amor ao general e confiança na vitória.

Procurando uma guerra de desgaste, Vercingetórix evita o confronto final deixando atrás de si incêndios de vilas, cidades e casas rurais para que nada aproveite o inimigo. Mesmo o trigo, quando esgotada a possibilidade de transporte, era queimado ou atirado as águas. Perseguido pelos Romanos dirige-se para Alésia, cidade dos Mandúbios, seus aliados e lá se prepara para a resistência até a chegada de reforços. Mesmo perdidos 3000 guerreiro da retaguarda durante o caminho, logo fica evidente não ter a cidade abastecimentos para mais de 30 dias. Passando o tempo em escaramuças, a espera de socorro, começam a faltar viveres. Convocado um conselho. Ali, o arverno Critognato propõe que faltando comida, alimentem-se dos corpos “dos que pela idade pareciam inúteis para a guerra”. A nem todos, embora haja quem concorde, agrada a alternativa de canibalismo sobre velhos, feridos, mulheres e crianças. A chegada dos reforços evita que essa solução seja aplicada e conduz ao confronto final. Presentes a ela, em ambos os lados, mesmo os que faziam parte da chamada Gália Togada, isto é, aqueles que teoricamente tinham relações amistosas com Roma. Desbaratadas a tropas gaulesas termina a batalha com a vitória romana. No dia seguinte rende-se a praça de Alésia e Vercingetórix deposita as armas conforme o costume aos pés de César. Era o ano de 52 a.C.. Não faltaram, ao longo dessa guerra, heroísmo e feitos militares de ambas as partes. As batalhas menores e escaramuças que antecederam Alésia mostram o empenho que animava ambos os lados. Isto reconhece o próprio Julio César em “De Bello Gallico”, a sua narrativa da guerra.