quinta-feira, 1 de maio de 2008

E-mail novo...

Ter amigos estranhos pode ser muito gratificante. Não se trata de colecionar histórias, mas de reconhecer, documentalmente, a consistência de weltanschauung individuais. Isto é útil para quem percebe como a política zippa intervalos históricos. Não faz muito, a weltanschauung era coletiva, emanava do füher e permeava ativamente o Volk. Resultado: "KL"s a granel. A internet tornou isso improvável, improbabilidade limitada aos que a acessam de modo sadio. Filho dileto do cybertempo, o e-mail encarna, em seu dualismo quase bíblico, tanto o anjo da anunciação quanto as pragas do Egito. Mas é da sua protogenese, o endereço eletrônico, que tratava o relato desse amigo. Conhecido no seu meio pela difícil relação com os computadores, um fornecedor da área chegou a passar o seu telefone para uma revista especializada que tentou entrevista-lo "como exemplo de inadaptação tecnológica" o que teve como conseqüência uma distribuição ramdomizada de epítetos contemplando o perfil moral materno desde a fonte até a jornalista especializada, ainda assim conseguiu sobreviver ao longo caminho do 386 até o celeron. Não que sobrevivência signifique qualidade de vida, mesmo virtual. É verdade, contou, que quando soube que o Netscape não seria mais atualizado, sentiu vontade de chorar pela morte de um velho amigo. Lá por 2006 começaram a aparecer na sua caixa postal mensagens que ostentavam a terminação do endereço como "gmail.com". Fosse porque era época de paradas de orgulho gay entupindo a uol, fosse pela sua fidelidade ao AltaVista, com passagens capengas pelo Yahoo, WebCrawler e Lycos, o nome Google era-lhe tão desconhecido quanto o do chefe do posto fiscal de Jaboatão. A sensação era de gente demais "saindo do armário" e adotando endereços eletrônicos em um serviço gls. Neste ponto da narrativa, um sorriso constrangido acompanhou a revelação de que,nem por um segundo passou-lhe pela cabeça digitar no seu fiel Altavista um www com a terminação. Foi somente a sua crença em ser a opção sexual do indivíduo uma escolha pessoal e intransferível que o fez colocar a questão de lado. Mais algum tempo passou antes que ligasse uma amiga fascinada com a eficácia de um mecanismo de busca chamado Google e segundo ela, o anjo-da-guarda dos restauradores. Decidido a compara-lo com o seguro e familiar AltaVista, encontra, ao acessa-lo a oferta de ter um e-mail "gmail.com" com todos os benefícios da Nova e-Era . Conforme a sua narrativa, só o indivíduo que descobriu que a roda podia girar em torno de um eixo sentiu alívio igual ao seu. Rindo comigo da, até ali, angustiante confissão, pegou seu guarda-chuva e se foi. Sabedor de sua formação existencialista, perguntei-me o quanto havia na história do juiz-penitente de Camus. Feliz e-mail novo!