terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Três de Quatro

Diz-se, com exagerada freqüência, que quando o discípulo esta pronto, o mestre aparece. A amplitude desse enunciado tem servido de amparo a toda a sorte de exploração da vaidade mística contemporânea. Na imensa maioria das vezes a coisa revela-se uma combinação numerológica de conseqüências outras: o célebre “171”. Na origem, a mesma afirmação hoje prostituída significava que reunidas as condições interiores no aspirante o seu próprio Mestre Interior o conduziria ao caminho mais adequado a sua missão (e aprendizado real). Um bom exemplo é o de Bernardo de Fontaine, conhecido como Bernardo de Clairvaux ou S. Bernardo. Sua entrada no monastério de Cister ocorre aos 22 anos. Daí pra frente, é história. Como ele, muitos outros em diferentes idades chegaram ao contato com aquilo que seria a sua linguagem de ação após uma somatória de experiências de vida. Vale lembrar: a vida de qualquer buscador não exclui nem um segundo da sua existência terrena, incluindo os seus erros. Sem eles, a sua humanidade, condição fundamental para a busca, não existiria. Não há santos na Senda. A vida contemplativa é reservada aos que assim a desejam, e por isso mesmo separam-se do mundo em monastérios, taqias, desertos, etc.. A Senda, na sua leitura ocidental, implica em uma práxis (ação) correspondente a cada estágio. Ocidente e Oriente são duas partes complementares, não excludentes, do mesmo planeta. Lembremo-nos do fato, básico e inconteste, de que a viabilização de uma agricultura racional e eficiente, capaz de fazer frente a demanda de abastecimento do mundo da época foi resultado do trabalho de pesquisa e desenvolvimento dos Cistercenses da Pianura Padana, também chamada Delta do Pó, nos séculos XII e XIII. Até então, a agricultura ocidental e oriental era orientada pelo simples plantar e colher (se possível). Quantos Manuais poderiam ser escritos, seriamente, com a pretensão honesta de partilhar a experiência vivida na busca de um sentido mais amplo da chamada realidade? Tantas quantas foram as experiências bem sucedidas do ponto de vista dos que encontraram o que buscavam. E seriam muitos. O problema é que dificilmente um perfil de neófito poderia enquadrar-se em absoluta identidade com qualquer deles. A função maior das Ordens Iniciáticas Tradicionais é a de fornecer método e ferramentas que auxiliam na busca, de modo gradual e seguro. As livrarias estão hoje abarrotadas de livros de misticismo tipo “faça-você-mesmo”. Não são baratos, mas ao menos dispensam a aquisição de furadeira, bancada e outras ferramentas que caracterizam a prática de um hobby. São, quase sempre, produzidos conforme rigoroso plano de marketing para que a vitima, digo, o leitor, tenha a sensação de ter recebido o máximo por “quase nada”. Nisto entra a tarefa dos ciscadores* de plantão, prontos a fornecer dados para a “tendência” editorial do momento. Um bom exemplo é “O Casamento do Espírito” que tem como subtítulo apenas “Vivendo iluminado no mundo de hoje”. É um caso de alquimia reversa: na tentativa de distribuir conceitos válidos ciscados em varias fontes num texto “coerente” (com os seus propósitos, claro!) terminaram por transformar ouro em lixo (não reciclável). Mas vende muito. Como toda a auto-ajuda fascista.

*Ao usar a palavra “ciscadores” devo informar a sua origem conceitual: veio de um grande amigo, R. Rau, que a aplica com eficiência superior ao bisturi do melhor cirurgião.