quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Deus & o sentido da vida

Envelhecer tem as suas vantagens. Uma delas é tornar-se coetâneo do diabo e levá-lo tão a sério quanto qualquer outro companheiro de farras de juventude. O brilho da transgressão embaçado pelo hábito já não causa excitação. A Liberdade é um valor sagrado tão firmemente estabelecido que não envolve a necessidade de contestações. A sexualidade tem o objetivo do conhecimento da essência feminina e a mulher passa a ser preferida em lugar da fêmea. Tornamo-nos menos gregários, mais silenciosos, precisamos de um pouco de solidão para poder pensar e beneficiar o e do vivido. E o vivido é o passado completo, até aquele momento. O futuro torna-se uma sub-função de práxis derivada da função análise/síntese das possibilidades, apoiada no banco de dados da memória. É projeto de curto prazo. O que conta é que essa práxis seja totalizadora. O objetivo não está mais em nós mesmos, mas no que podemos produzir para os outros. E quanto mais amplo for o sentido de “outros”, maior a possibilidade de realização. Não temos mais ilusões inúteis. Apenas as permitidas como o tempero da vida que a cozinha, a longo praticada com carinho ensina. Cozinhamos o nosso tempo fazendo dele alimento espiritual. Qualquer religião, por incompatível com a Liberdade, já estará há muito descartada. As congregações são o apoio dos que nunca compreenderam o verdadeiro sentido fraterno da amizade ou precisam sentir-se populares. A outra vantagem do envelhecimento é – ou deveria ser - a erradicação definitiva do egoísmo. Esta é uma leitura que, para ser eficaz, deve ser feita através da confrontação do individuo consigo mesmo, sem levar em conta as expectativas de terceiros, que se forem boas podem induzi-lo a vaidade e ao orgulho, se forem ruins, pode representar a manifestação do egoísmo delas (não somos o que elas querem que sejamos). Insisto: ao envelhecer, já que tivemos tempo para o aprendizado, o objetivo não está mais em nós mesmos. Os que tiveram, nos seus dias, a sorte de dedicar-se e servir livre e conscientemente ao próximo, descobrem que o saldo da fadiga é aprendizado intenso. Daí que a perspectiva funcional deve ser orientada para o mais pleno emprego do conhecimento adquirido. E sempre que houver ressonância, partilhado. O Grande Prêmio, se é que há algum, é a paz interior. Que não significa inação nem alienação. Antes, ação consciente. Outra, ainda maior, é que não precisamos mais pensar na morte. Ela está mais próxima e deveríamos já ter claro que é apenas a cessação da vida natural. Viver cada dia é algo que deveria ser ensinado na infância de todos os seres humanos. Ao envelhecer, é “antes tarde do que nunca”. É parte da construção da paz interior. Dentre as mudanças profundas que a sofremos, a mais evidente é a noção de tempo. O distanciamento cronológico de acontecimentos históricos que permearam a nossa vida dá-nos pela primeira vez a noção de “tempo” incluindo aspectos como extensão, duração e sua relação com o espaço, de modo pessoal porque sob a ótica do observador. Essa abstração tende, naqueles como nós que optaram ainda na juventude por um teísmo puro, a favorecer reflexões sobre a natureza da divindade e a figuração divina. Nada de longas barbas brancas, vozes tonitroantes, fogos de artifício. Também exclui-se a figura consoladora e paternal. O que fica é algo sutil e luminoso. É Presença! O Panteísmo é a única doutrina compatível com a mecânica quântica e a dignidade humana. Conceitos como creacionismo e evolucionismo são reduzidos a sua justa medida. A fé mostra-se como é de fato: burra e asfixiante. Conceitos como Graça ganham sentido e são traduzíveis por harmonia inesperada. E alegremente percebemos que essa manifestação de uma força maior sempre ocorre como fruto de um desejo intenso... para aqueles a quem desejamos. A salvação, que nunca compramos (171 espiritual) nem faz parte de qualquer cogitação. Porque vivemos e em nós viveu e vive uma parte dessa Divindade. Honrá-la é ser livre e ético. A moral é relativa e sempre serve aos que se auto-investem de algum tipo de poder, sempre espúrio. O amor tem a dimensão de algo ilimitado. Mas isento de paixão. Manifesta-se na busca do servir objetivamente (isto é, conforme os próprios limites reais) e permite vínculos fraternos claros porque estabelecidos sob a luz do espírito. Separa-se com mais facilidade o mundo das contas a pagar com seus códigos de barras daquilo que deveríamos estar sendo nesse momento. E um sentido imenso de gratidão cósmica cresce no nosso interior por ainda participarmos da vida. E de igual modo, em gratidão e paz, estamos prontos a entregá-la livremente. Não. Não acho que exista um sentido único para a Vida alem da infinita multiplicidade de aspectos dela mesma. Se há premio, compensação ou pagamento pela vida de um ser qualquer, humano, animal ou vegetal esse já lhe foi conferido através do entrar no mundo, independentemente da avaliação. E nela, essa Presença que nos une, pela energia da consciência, a mais distante galáxia. Acho, afinal, que Deus existe – em nós e nos infinitos universos e a sua Presença, na beleza da eternidade, é a maior manifestação do Seu Amor.