terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um conto hassídico: Salomão e o Gato


Sentado à mesa onde costumava ensinar o Rabi Nachman (1) observava a incomum agitação de seus discípulos. Com a calma objetividade herdada da mãe sefardita italiana, infelizmente assimilada (2), percorreu com os olhos e ouvidos atentos os gestos angustiados e murmúrios parando num jovem que parecia querer gritar enquanto o olhava com a mão levantada. “Você sabe que não precisa pedir para ir ao banheiro” disse o santo homem enquanto pensava “espero que questo defficente (3) não pergunte qual o traço de concreto usado na construção do segundo Templo (4). Já foi difícil explicar que o RamBam (5) nunca usou o Via Voice da IBM (6) para escrever o Guia dos Perplexos”.

“Reb,Reb”, disse o jovem, “nós estamos chocados com o risco assumido pelo grande Salomão no episódio das duas mulheres e a criança que beirou a mais completa irresponsabilidade. Assim mostraram os nossos cálculos de probabilidades sobre os possíveis desdobramentos da sentença”

“Que merda!” (7) pensou o Rabi citando para si Tomás de Aquino. Inspirou longamente por três vezes e disse docemente: “Meus filhos, apenas um desinformado ou desocupado ou retardado poderia chamar nosso rei Salomão de irresponsável. Creio que vocês conseguiram avizinhar-se da perfeição ao unir estas três características sempre presentes num perfeito cretino.

A real história do grande rei diz respeito não a uma criança, mas a um gato. Não a duas mulheres mas a dois homens, um português e um lituano (8). A idéia de dividir o gato ao meio que parecia lógica a ambos o obrigou a enunciar a célebre frase “mas não cabe ao homem julgar sobre a Criação. Lancem o gato para o ar.” Foi quando o assustado felino, vendo-se livre, saltou pela janela do palácio indo abrigar-se nas cocheiras onde viveu feliz ao lado de uma charmosa gata persa até os tempos de Davi.  E já que vocês tem tempo para perder em calculo de probabilidades inúteis peguem baldes e vassouras e deixem esta yeshivá (9) brilhando porque ela pode ser um galinheiro, mas deve ser um galinheiro limpo!(10)

 (1) De onde? Não importa. Sempre há um Rabi Nachman numa historia hassídica.
(2) era das que diziam o maternal “eu te mato” italiano ao invés do suave “eu me mato” judaico.
(3) algumas expressões maternas permeavam o seu pensamento com uma certa freqüência.
(4)  um exemplo da famosa intuição do Rabi.
(5)  referencia a Moisés bem Maimon 1135/7 - 1204
(6)  programa que converte um ditado ao computador em texto.
(7) o Reb a considerava a expressão máxima e síntese da weltanschauung do Doctor Angelicus que não apenas não entendera o RamBam, mas não poderia ser de outra forma visto que nascera em Roccaseca e morrera em Fossanova, o que já era suficiente para arrasar qualquer um.
(8) quando perguntado sobre o por quê um português respondia o santo homem: “e porque um lituano?”
(9) escola rabínica
(10) o Reb demonstra uma humildade mosaica quando abandona a esperança de ser o Guia da sua geração ao perceber que daquele mato não sairia coelho.